AGUA 18/06
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Bolsonaro é o ‘moleque sabido’ que ajudou na captura de Lamarca?

Bolsonaro é o ‘moleque sabido’ que ajudou na captura de Lamarca?
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Candidato repete que participou de busca à lider esquerdista, mas se aproveita de mito da caserna para avolumar _ enganosamente_ a própria biografia

Na história da repressão a grupos guerrilheiros nos anos 1970, militares do serviço de inteligência atribuem ao que chamam de “moleque sabido” uma informação essencial na investigação sobre Carlos Lamarca, capitão do Exército que desertou para se tornar líder de grupos armados de resistência à ditadura militar. O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, tenta acoplar à sua biografia conservadora uma suposta participação na busca a Carlos Lamarca, quando o guerrilheiro passou em 1970 pelo Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, em fuga de tropas do Exército que o perseguiam. Seria Bolsonaro o “moleque sabido” ou o candidato tenta se apropriar de episódio mítico entre os militares para avolumar a própria biografia?

Quando Lamarca chegou a Eldorado, cidade em que Bolsonaro passou a infância, o hoje candidato a presidente tinha 15 anos recém-completados. Em entrevistas, como a concedida há duas semanas ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Bolsonaro repete que ainda “moleque” ajudou na “caça ao Lamarca” porque conhecia as matas na região de Eldorado. Propositadamente, Bolsonaro mistura dois episódios distintos para colocar-se no centro de fatos relevantes para a história? São episódios que aconteceram com um ano e quatro meses de diferença e em dois locais distantes entre si por apenas 30 km.

Época teve acesso a arquivos de um velho militar _por sinal, eleitor de Bolsonaro_, que serviram de base para os relatos detalhados da perseguição das Forças Armadas ao capitão desertor. O mais famoso desses relatos é o projeto Orvil (livro de trás para diante). A inciativa reuniu documentos e depoimentos de oficiais das Forças Armadas que buscavam rebater as informações publicadas no livro “Brasil: Nunca Mais”, obra de 1985 em que defensores dos direitos humanos reconstruíram torturas e assassinatos ocorridos nos porões da ditadura militar. Em mais de 300 páginas, “Brasil: Nunca Mais” era uma narrativa devastadora da rotina de torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados de presos políticos. O projeto Orvil buscou contar a história dezenas de militares assassinados pelos grupos esquerdistas, usando para tal arquivos e depoimentos de integrantes da repressão.

São esses arquivos militares que mostram que Bolsonaro mistura histórias diferentes para enobrecer seu passado.

1 – A história do “moleque sabido” de Itapecerica

Em janeiro de 1969, o assalto a unidades militares para o roubo de armas era a principal preocupação do alto comando do Exército. Aquela época, duas irmãs viviam em um sítio de Itapecerica da Serra, município da Grande São Paulo. Cada qual vivia com sua família em dois trechos dos terrenos. Os documentos dos agentes da repressão preservam seus nomes chamando-as apenas de “irmã da frente” e “irmã de trás”, em referência ao ponto do sítio em que cada casa se localizava em relação à rua de acesso. Um dos filhos da “irmã da frente” começou a ser impedido de circular livremente por todo o terreno. Como insistia em andar para todos os lados, recebeu safanões de homens que estavam trabalhando nas redondezas da casa de trás. O garoto reclamou com a mãe. Esta não se dava com o cunhado e decidiu fazer uma queixa na delegacia de polícia de Itapecerica. Questionada se havia motivos para que o filho tivesse sua circulação restrita, ela mencionou que vira homens pintando de verde um caminhão, dando a ele aparência de veículo militar.

A informação despertou a curiosidade do delegado. Às 13h do dia 23 de janeiro de 1969, policiais localizaram cinco homens nos arredores do sítio. Quatro foram presos. Um conseguiu fugir. Os presos foram então enviados à Segunda Companhia de Polícia do Exército. Apresentaram uma versão para a pintura do caminhão considerada aceitável: eram contrabandistas que precisavam falsificar o caminhão militar para distribuir mercadorias.

O major que comandou o interrogatório achou a história perfeita demais. Imaginou que subversivos poderiam tê-la criado. Mandou então um destacamento vasculhar a região do sítio em Itapecerica. À chegada dos blindados de reconhecimento M-8 logo se tornou uma festa para as crianças de Itapecerica. Nenhum suspeito foi nem sequer avistado. O capitão que comandava o pelotão começou a perguntar para as crianças sobre estranhos que rondavam o local. Assim descreveu o diálogo que manteve com um garoto de “não mais de 10 anos”, a quem chamou de “moleque sabido”:

“_ E como o pessoal chega até o sítio?

_ Eles vêm de carro até aquelas árvores lá embaixo, onde deixam o carro e sobem a pé.

 

_ E qual o carro de que se utilizam?

_ É um Fusca cinza, quase novo, mas que tem os dois pneus de trás completamente carecas.

_Oi, moleque sabido. Só faltava você ter anotado a chapa desse carro para ser um verdadeiro policial.

_ E anotei.

_ Puxa! Então vá até sua casa e traga essa anotação para mim, porque é muito importante.

_ Não. Anotei aqui [apontou para a própria fronte]. A placa é 30-81-45″.

Não há comprovação da existência do “moleque sabido”. Mas os militares de inteligência contaram que, às 18h30 do mesmo dia, um carro foi abandonado por “terroristas” no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. Para escapar de uma blitz, os “terroristas” fugiram a pé, deixando parte das armas no banco do carro: um Fusca cinza, placa 30-81-45. Dentro do carro, havia uma nota fiscal de uma Kombi verde, vendida a Carlos Lamarca.

Na tarde do mesmo dia, Lamarca desertara do 4º Regimento de Infantaria, de Quitaúna (SP), levando 63 fuzis, dez metralhadoras e muita munição. Fugira acompanhado do sargento Darci Rodrigues, do cabo José Mariane e do soldado Carlos Roberto Zamirato. Todos haviam se tornado militantes da VPR, a Vanguarda Popular Revolucionária, então o principal grupo da luta armada em resistência ao regime. Usaram na fuga o Fusca Cinza, que depois seria trocado pela Kombi comprada por Lamarca. Assim, o “moleque sabido” teria dado a primeira trilha que levaria à captura de Lamarca, que só ocorreria em setembro de 1971.

2 – O pequeno Bolsonaro sai à caça

Em maio de 1970 _um ano e quatro meses depois do episódio de Itapecerica_ Lamarca estava em fuga pela região de Eldorado, a antiga Xiririca da Serra, onde morava a família de Jair Bolsonaro. Ele nascera em Campinas, mas se mudara muito criança para Eldorado. Em 8 de maio, Lamarca e sete guerrilheiros chegaram à cidade em uma Picape. Pararam num posto de gasolina. Foram abordados por policiais e reagiram a bala, conseguindo fugir. Os militares mandaram tropas de Sete Barras a Eldorado.

Os soldados que se confrontaram com Lamarca e a VPR, vistos como heróis, passaram a receber visitas constantes do jovem Bolsonaro, a quem estimularam a entrar na carreira militar, conforme contou.

Bolsonaro conta que estava na escola no momento em que as tropas do Exército localizaram os terroristas. Ele disse lembrar que os professores, amedrontados pelos tiros, esvaziaram as salas de aula e mandaram as crianças atravessar a praça rastejando para se proteger das balas.

De acordo com os registros militares, para tal fato ter acontecido, Bolsonaro precisava ter estudado à noite. Mas Eldorado não oferecia aulas noturnas em 1970. O Exército registrou ter localizado os terroristas às 21h. Os integrantes da VPR estavam armados com fuzis FAL e se mostraram superiores no embate. Pegaram um tenente do Exército como refém e se embrenharam nas matas. Depois de caminharem um dia e meio, Lamarca e os companheiros decidiram matar o refém. Enterram-no numa pequena vala. Meses depois um dos militantes da VPR seria preciso e apontou o local da cova do tenente Alberto Mendes Júnior.

O Exército mobilizou centenas de homens na busca de Lamarca nas matas nos arredores de Eldorado. Teria sido nesse momento que Bolsonaro teria ajudado os militares com seu conhecimento. Não há registro desse fato. De todo modo, se ajudou, fracassou. Lamarca escapou e só seria morto em 17 de setembro de 1971, um ano e quatro meses depois. O líder da VPR estava doente quando foram encontrados e mortos a tiros no município de Ipupiara (BA), quando descansavam à sombra de uma árvore. Os militares asseguram que quem deu o tiro final em Lamarca foi o então major Nilton Cerqueira. Vinte e quatro anos depois, Cerqueira era general e secretário de Segurança do Estado do Rio, quando empreendeu esforços de dezenas de homens para recuperar uma morta e uma pistola roubada de Bolsonaro num assalto em julho de 1995.

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